Por Roney Ricardo
Por mais de uma vez já me perguntaram, em palestras minhas sobre Bíblia e tradução bíblica,
se precisamos mesmo de mais Bíblias de Estudo e se isso na verdade não é
resultado de um mercado que se instalou na Igreja evangélica Brasileira. A
minha resposta para essas duas perguntas é sempre um “Sim”, para as duas: sim, precisamos de mais Bíblias e sim, um
mercado se instalou! Pode parecer contraditória minha resposta, mas estou
convencido de que ela representa a realidade em torno dessas questões. De fato,
muitas Bíblias de Estudo já foram escritas, e elas cumprem o seu papel no
sentido de promover o conhecimento das Escrituras, sua melhor compreensão, o
conhecimento dos contextos que envolveram a produção do texto bíblico, enfim. E
diga-se ainda que várias dessas Bíblias foram produzidas por estudiosos sérios,
de vasta cultura bíblica, de erudição teológica, comprometidos com a difusão da
Palavra. Sem querer cometer injustiças e fugindo de qualquer parcialidade, e
ainda, reconhecendo o valor desses homens a despeito de discordâncias
teológicas, cito alguns nomes como Russell Shedd, Donald Stamps, Antonio
Gilberto, Cyrus Ingerson Scofield, Luiz Sayão, Roland de Vaux, entre tantos
outros, é claro. Sua contribuição nesse sentido é inegável! O próprio Donald
Stamps, dias antes de morrer, deixou-nos este testemunho, registrado na conhecida
Bíblia de Estudo Pentecostal: “A visão, chamada e sentimento de urgência que
tive da parte de Deus para preparar esta Bíblia de Estudo ocorreram-me quando
eu servia ao Senhor como missionário no Brasil. Observei que os obreiros
necessitavam de uma Bíblia com estudos que os auxiliasse na orientação de seus
pensamentos e nas suas pregações. Isto posto, por dez anos, a partir de 1981,
comecei a escrever as notas e estudos doutrinários desta obra”[1]. As
palavras acima são comoventes e ensinadoras. Uma obra que vem à tona como
resposta à necessidade de um povo, de uma igreja, de seus obreiros e que demora
uma década (uma década, isso mesmo!), para ser produzida, o que demonstra como
o projeto foi encarado com tamanha seriedade. Nos últimos dias, grande polêmica
tem havido em torno de uma Bíblia lançada com o nome de um cantor evangélico. E
de fato, não era pra menos. A Bíblia leva a logomarca do cantor na capa e como
ele mesmo afirma em um vídeo explicativo sobre o projeto, nela ele conta suas
experiências pessoais com Deus, além de trazer fotos suas. Não quero aqui me
ater a julgar suas intenções, como alguns tem feito, chegando a alegar que o
produto vem numa hora em que a vendagem dos seus CDs caiu. Penso que só Deus
pode julgar com total precisão essa questão. Mas algumas coisas precisam ser pensadas
e criticadas em função de estarem evidentes: o referido cantor não demonstra
cultura bíblica alguma em suas canções e ele alega que crê que a Bíblia, com
fotos e relatos de suas experiências pessoais com Deus, possam estimular os
jovens a ler mais a Bíblia. Veja as motivações para tal projeto! Precisamos
mesmo de uma Bíblia que divulga experiências pessoais para estimular sua
leitura? Ou precisamos de Bíblias que expliquem a própria Bíblia levando-nos a
entendê-la melhor? Embora tenha um pouco de reserva quanto a livros que tenham
um caráter muito pessoal, estou convencido de que seria muito mais legítimo que
ele escrevesse um livro, de cunho pessoal, onde poderia trazer isso a público,
se crê que essas experiências contribuirão para que os jovens leiam mais a
Bíblia. Mas atrelar isso a uma Bíblia é realmente inadmissível. Considero isso
uma ofensa a uma tradição (boa!) de longa data que vem sendo cultivada no
sentido de produzir Bíblias de Estudos com enfoques variados. O referido cantor
apela à sua popularidade, diz ser um dos mais influentes desse tempo e deseja
usar isso para incentivar os jovens à leitura da Bíblia. Admito que nossa
influência possa ter alguma utilidade, mas nesse caso, essa não seria essa uma
motivação equivocada? Paulo expressa sua motivação em pregar o evangelho
dizendo que isso era uma necessidade para ele! (cf. 1 Co 9.16), e não porque
era influente. Em outras palavras, o evangelho por si, e não pelo anunciador. Fiquei
mais consternado ainda ao saber que o projeto foi patrocinado pela SBB –
Sociedade Bíblica do Brasil –, uma editora cujo legado maior é a difusão das
Escrituras no Brasil e no mundo. Deixo claro aqui que minha crítica neste texto
não ignora o que a referida editora já
fez pelo Reino de Deus no que tange à difusão da Bíblia. É um erro
descartarmos todo o texto em função de uma palavra errada. Mas estou convencido
de que tal patrocínio, por parte da SBB, é incoerente com a sua imagem, com o
seu legado e com o seu projeto maior que é “Promover a difusão da Bíblia e sua mensagem como instrumento de
transformação e desenvolvimento integral do ser humano”[2].
E reconheço que ela tem, com eficácia, cumprido essa missão, para glória de
Deus! Mas, porque patrocinar um projeto como esse, que leva o nome de um cantor
que em suas canções não transparece cultura bíblica, não evidencia intimidade
com a Bíblia e dá um viés pessoal ao projeto? Estaria nossa querida SBB
perdendo de vista sua missão filantrópica e eminentemente ministerial, pelo
Reino? Que Deus nos guarde! Oremos pela SBB!
Voltando
à pergunta que dá título a este texto, “se precisamos de mais Bíblias de
Estudo?”, respondo que SIM e que NÃO. Sim, porque precisamos sim que o povo
evangélico tenha à sua disposição ferramentas de estudo sérias, produzidas por
estudiosos com experiência, para aumentar sua compreensão da Palavra de Deus. E
não, definitivamente não precisamos de Bíblias que sejam produzidas com vistas
a divulgar experiências pessoais, afinal, experiência pessoal é pessoal: só
serve a quem a teve. No máximo, podemos colher algumas lições. Não, não
precisamos de Bíblias que divulguem fotos e fatos sobre a vida de fulano tal e
fulana tal porque ele ou ela é influente ou é famoso. Isso não produz
espiritualidade e nem profundidade de vida cristã. Isso só será gerado no cristão
quando ele desenvolver uma vida de contínua comunhão com Deus por meio da
oração, da leitura e estudo contínuo das Escrituras, da comunhão com a Igreja,
entre outras coisas. Esse caso, recente, na verdade, não é o único. Outros
projetos ridículos como esse já foram veiculados e isso só evidencia o quanto a
Igreja brasileira precisa dar meia volta em direção à verdade do evangelho e
viver conforme ela. Lamento profundamente que uma crise se instala em nossos
dias e precisamos de fato de um reavivamento, de um retorno às Escrituras. Deus
nos ajude.
Em Cristo,
Roney Ricardo é membro da AD capixaba, graduado em teologia, psicanalista clínico, cursando sua segunda Licenciatura em Pedagogia, escritor, professor de teologia e palestrante nas áreas de Família, Bíblia e Teologia.
[1] STAMPS,
Donald. Bíblia de Estudo Pentecostal.
CPAD, p.15.
[2]
Fonte: Site da SBB. Disponível em <https://www.sbb.org.br/interna.asp?areaID=14>.
Acesso em 13/04/2015.